Moravam duas irmãs de meia idade no prédio onde vivi com os meus pais. Nunca casaram e passavam a vida a implicar uma com a outra. Uma era médica e a outra assistente social.
Certa vez, a médica tentou suicidar-se e apareceram os bombeiros, a polícia e a vizinhança toda. Começámos a chamar-lhes "A do Ataque"...
Uns tempos depois, o meu vizinho viu-a na rua em pijama e chinelos, mas como naquela época muita gente andava de fato de treino, ninguém notou. Ele só reparou porque sabia que as duas irmãs eram destrambelhadas.
Noutra ocasião, a médica estava a falar com a minha mãe que não conseguia entender nada do que ela dizia. Ah, e tinha a blusa cheia de nódoas. Um dia, acabou mesmo por suicidar-se.
O meu vizinho costumava ter os lábios cheios de cieiro e saía sangue. Eu que sempre tive ideias mirabolantes disse-lhe :
- Olha, vai pôr o sangue na campainha da do ataque.
Foi o que ele fez e uns dias depois o meu pai teve de ir lá tocar e voltou enojado para casa :
- Ela não atendeu e tinha a campainha cheia de sangue !
A senhora falava sozinha em casa e dizia :
- Pois é, meus queridos, eu em Maputo e vocês aqui na cadeia. Seus merdas !
Por isso, escrevi na porta dela com batom "Seus Merdas". Ela nunca limpava nem apagava nada, por isso as pessoas pensavam que era ela quem escrevia as coisas.
Foi um homem consertar qualquer coisa àquele piso e disse :
- Não mora aqui ninguém de juízo.
Vim a saber que ela tinha uma camisa de dormir pendurada no estendal há vários anos. Dizia que era um bruxedo. Eu morava do outro lado do prédio, mas debrucei-me na janela e constatei que era verdade.
A páginas tantas, a administração do prédio calhou ao meu pai e eu costumava ajudá-lo. Estava a ver a documentação quando vejo lá para o meio uma carta da do ataque, para a anterior administradora, a queixar-se. Curiosamente, não se queixava de nenhuma das patifarias que eu e o meu vizinho fazíamos, queixava-se de coisas completamente estapafúrdias : "... na minha ausência, entraram em minha casa e roubaram-me a sanita". Sim, claro, muito credível. Conseguiam arrombar uma boa fechadura, sem fazer disparar o alarme, e roubavam um objeto pesado e sem qualquer valor. Ah ! Ah ! Ah !
Só tenho pena de não ter fotocopiado a carta.
Um vizinho qualquer fartou-se dos berros dela e do alarme sempre a apitar e chamou a polícia. Incrivelmente, ela abriu a porta e queixou-se que lhe tinham roubado umas toalhas e uns naperons.
Alguém ouviu os polícias a rir enquanto se iam embora.