Os Pipos
Não sei qual de nós teve a ideia de tirar os pipos dos pneus do carro do pai dele, mas acho que foi o meu vizinho. O miúdo detestava mesmo o pai.
O nosso prédio tinha garagem e, enquanto os meus pais estavam a tirar coisas do nosso carro e a fechar as portas, eu ia surrateiramente tirar os pipos do carro do vizinho.
Eles tinham outra casa na Ericeira, onde passavam as férias e os fins de semana, e lá era o meu vizinho que tirava os pipos.
Os pipos não desapareciam apenas no sítio x, estavam sempre a desaparecer, por isso parecia mesmo que era obra do acaso.
Certa vez, o miúdo chegou a minha casa danado. O pai tinha ido a uma garagem, de um gajo ainda mais mal encarado que ele, queixou-se do problema dos pipos, e o outro apertou-os muito e disse-lhe que não voltavam a sair. Ele tentou, mas não conseguiu tirá-los. Eu disse que ia tentar, assim que tivesse oportunidade e, para minha surpresa, tirei-os com toda a facilidade.
O homem era daquelas pessoas que se irritava com facilidade, e andava furioso com o desaparecimento dos pipos que era o que nós pretendíamos.
Às tantas eu tinha um saco de plástico cheio de pipos. Ainda pensei em gozar com ele e enviar-lhe um bilhete a dizer "Se quer os seus pipos de volta...", mas não me ocorreu nada que pudesse pedir em troca daquilo, e ainda bem que não o fiz porque ele podia desconfiar de nós. Assim ficou convencido que tinha apenas azar.